Decisão fortalece natureza processual da norma e traz agilidade à partilha de bens
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, por unanimidade, constitucional o § 2º do artigo 659 do Código de Processo Civil (CPC/2015), que dispensa a comprovação prévia do pagamento do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) como condição para a lavratura do formal de partilha ou da carta de adjudicação nos procedimentos de arrolamento sumário.
A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.894/DF, relatada pelo Ministro André Mendonça e julgada em sessão virtual finalizada em 24 de abril de 2025. A ação foi proposta pelo Distrito Federal, que alegava violação à competência reservada à lei complementar para tratar de normas gerais de Direito Tributário (art. 146, III, “b”, da Constituição Federal), bem como ao princípio da isonomia tributária.
Entendimento do STF: norma é processual, não tributária
Ao julgar improcedente a ação, o STF entendeu que o dispositivo questionado não trata da instituição, cobrança ou isenção de tributo, mas sim de procedimento processual. Ou seja, não se trata de uma norma de Direito Tributário material, mas sim de Direito Processual Civil — cuja competência legislativa é da União.
O § 2º do art. 659 do CPC/2015 prevê que, após o trânsito em julgado da sentença de homologação da partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação. Somente em seguida serão expedidos os alvarás e intimado o fisco para lançamento administrativo do imposto, conforme dispuser a legislação tributária.
Esse fluxo processual — primeiro a formalização da partilha e, posteriormente, a atuação do fisco — não impede a cobrança do tributo nem elimina a obrigação do contribuinte, mas apenas modula a sequência dos atos procedimentais.
Decisão reforça a lógica da partilha como fato jurídico declaratório
A posição firmada pela Corte tem implicações práticas relevantes: reconhece que, nos arrolamentos sumários (modalidade simplificada de inventário prevista para situações consensuais e entre partes capazes), não cabe exigir a quitação prévia do ITCMD como condição para a emissão de documentos que apenas formalizam a partilha.
Na lógica processual, a partilha homologada judicialmente tem natureza declaratória do direito dos herdeiros, e não constitutiva. Assim, a exigência de prévio recolhimento do imposto como condição de sua efetivação contraria a própria estrutura do arrolamento sumário, concebido para ser célere e desburocratizado.
Não há violação à isonomia tributária
O STF também afastou a alegação de violação ao princípio da isonomia (art. 150, II, da CF), entendendo que o tratamento conferido pelo § 2º do art. 659 não se refere a contribuintes em situação tributária equivalente, mas sim a uma etapa procedimental distinta, exclusiva dos arrolamentos sumários.
Ou seja, a norma não cria privilégios fiscais nem concede isenções, apenas estabelece um rito processual mais ágil, condizente com a natureza consensual do procedimento.
Precedentes e reforço à constitucionalidade
O julgamento também se baseou na jurisprudência da própria Corte, como o precedente do RE 636.562 (Tema 390 da repercussão geral), no qual se reconheceu que a instituição e arrecadação de tributos estaduais não pode ser obstada por normas processuais federais, desde que não afetem o exercício da competência tributária. No caso da ADI 5.894/DF, a norma em exame não suprime o ITCMD, mas apenas reorganiza os atos em sua cobrança.
Impactos práticos para advogados e herdeiros
A decisão representa um alívio para os herdeiros e advogados que atuam em inventários judiciais, sobretudo quando há dificuldades financeiras para o imediato pagamento do ITCMD. A exigência da quitação do imposto como pré-condição para a expedição de documentos processuais muitas vezes gerava travas indevidas ao trâmite de arrolamentos, dificultando o acesso a bens herdados, inclusive quando necessários à própria quitação dos tributos.
Com a constitucionalidade do dispositivo reconhecida, reforça-se a segurança jurídica e a racionalidade procedimental, permitindo que a expedição do formal de partilha ou carta de adjudicação se realize de forma célere, sem prejuízo do posterior lançamento tributário pelo fisco estadual.
Conclusão
A decisão do STF na ADI 5.894/DF consagra um importante entendimento: não se pode confundir etapa processual com fato gerador de tributo. A norma impugnada apenas organiza o procedimento de arrolamento sumário, mantendo íntegro o dever de recolhimento do ITCMD pelos contribuintes.
Para operadores do Direito, trata-se de mais um exemplo da atuação da Corte no equilíbrio entre as competências legislativas e os direitos fundamentais à razoável duração do processo e à desburocratização do Judiciário — pilares que devem nortear a efetividade do acesso à Justiça no Brasil.