Decisão reforça o papel do STF na proteção contra bitributação e no combate ao efeito confiscatório de penalidades fiscais
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 816 da repercussão geral, proferiu decisão de grande impacto para o setor produtivo e para o Direito Tributário nacional. Por maioria de votos, o Plenário declarou a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre industrialização por encomenda realizada com material fornecido pelo contratante, quando destinada à industrialização ou comercialização, e estabeleceu que as multas moratórias tributárias devem respeitar o limite máximo de 20% do valor do tributo devido.
Além do conteúdo de mérito, o Tribunal modulou os efeitos da decisão sobre o ISS, estabelecendo parâmetros para cobrança futura e repetição de indébito. A decisão corrige distorções históricas e promove segurança jurídica ao sistema tributário.
ISS não incide sobre etapas intermediárias do processo industrial
A controvérsia dizia respeito à interpretação do subitem 14.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que trata da tributação pelo ISS sobre “industrialização por encomenda”. O ponto central era saber se esse item alcançaria operações que representam etapas intermediárias do ciclo de produção, com insumos fornecidos pelo próprio contratante.
Segundo o voto do relator, ministro Dias Toffoli, acompanhado pela maioria, quando a industrialização por encomenda integra o processo produtivo da empresa contratante, o serviço prestado não se configura como atividade autônoma de prestação de serviço tributável pelo ISS, mas como fase da própria cadeia industrial. Assim, a tributação correta deve recair sobre o IPI ou o ICMS, dependendo do produto e da operação envolvida.
O STF concluiu que a cobrança do ISS nesses casos configurava bitributação, violando os princípios constitucionais da legalidade, da tipicidade cerrada tributária e da isonomia entre entes federados.
Tese firmada e modulação dos efeitos da decisão
O Tribunal fixou duas teses de repercussão geral:
- “É inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista Anexa à LC nº 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização.”
- “As multas moratórias instituídas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios devem observar o teto de 20% do débito tributário.”
No tocante à tese do ISS, o STF modulou os efeitos com eficácia ex nunc, ou seja, a partir da data de publicação da ata do julgamento. Isso significa:
- Contribuintes que recolheram ISS até a véspera da publicação da ata não poderão pleitear a restituição dos valores pagos, salvo se já tiverem ajuizado ação judicial até essa data.
- Os municípios não poderão cobrar ISS sobre tais operações para fatos geradores ocorridos após essa data.
- Nos casos de bitributação comprovada (ISS e IPI/ICMS cobrados sobre o mesmo fato gerador), somente será admitida a restituição do ISS, respeitado o prazo prescricional.
Essa modulação busca equilibrar os efeitos da decisão, preservando as finanças públicas municipais e reconhecendo o direito dos contribuintes que já discutiam judicialmente a cobrança indevida.
Limite de 20% para multas moratórias
Outro aspecto relevante da decisão foi o reconhecimento da inconstitucionalidade de multas moratórias superiores a 20% do tributo devido, quando aplicadas por entes federativos.
O STF entendeu que, ainda que a multa moratória tenha caráter sancionatório brando — por incidir no simples atraso do pagamento —, ela deve obedecer aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação ao confisco, previstos no art. 150, IV, da Constituição.
A partir do julgamento, qualquer norma que estipule multa moratória acima desse teto poderá ser considerada inconstitucional, inclusive em sede de controle difuso, gerando potenciais reflexos em contenciosos tributários e execuções fiscais em curso.
Impactos para contribuintes e entes públicos
A decisão representa um marco na racionalização da tributação da cadeia industrial e reforça o papel do STF como guardião da repartição constitucional de competências tributárias. Com ela, evitam-se sobreposições entre ISS, ICMS e IPI, promovendo coerência e previsibilidade para a indústria.
No plano prático, empresas industriais que contratam serviços de transformação ou beneficiamento de insumos fornecidos por elas próprias passam a ter mais segurança jurídica sobre a tributação aplicável. Ao mesmo tempo, escritórios de advocacia tributária devem revisar passivos e créditos para avaliar eventuais oportunidades de revisão ou recuperação de valores.
Já os entes públicos, especialmente os municípios, devem reavaliar suas legislações locais e práticas fiscais, sob pena de autuações e execuções fundadas em norma já declarada inconstitucional.
Conclusão
O julgamento do Tema 816 da repercussão geral pelo STF reafirma a necessidade de respeito à divisão de competências tributárias e à proporcionalidade na imposição de sanções. A definição de que o ISS não incide sobre industrialização por encomenda inserida no ciclo produtivo da contratante resgata a lógica da tributação por fato gerador real e evita conflitos federativos.
Ao limitar as multas moratórias a 20%, o STF também envia importante sinal ao legislador e ao Fisco: a cobrança de tributos não pode ser instrumento de punição excessiva. O equilíbrio entre arrecadação e justiça tributária é, mais do que nunca, imperativo constitucional.